sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A Arte de Ser Resiliente

O termo resiliência migrou do mundo da Física para o seara comportamental. Originalmente, denota capacidade de um corpo de se deformar por obra de agentes externos, depois, recuperar a forma natural. Da mesma maneira, ao longo da jornada humana na Terra, inúmeras vezes somos atingidos e, quase sempre, feridos pelos embates cotidianos. Alguns são gravíssimos, outros nem tanto.
Em contrapartida, nos momentos adversos, vemos desabrochar do interior de algumas pessoas um impulso vital que permite a ela sobreviver a toda sorte de dor: luto, abandono, negligência, violência. Essa força, chamada de resiliência, faz com que não desistamos da luta até o milagroso momento em que seremos transforados por ela. "O papel da resiliência é desenvolver a capacidade humana de enfrentar, vencer esair fortalecido de situações adversas", atesta a psicóloga norte-americana Edith Grotberg, pioneira nos assuntos sobre o tema.
Débora Dell'Aglio, psicóloga e coordenadora do NEPA/UFRGS, trabalha com jovens em situação de risco pessoal e social, vítimas de abuso sexual que moram em abrigos e menores infratores que cumprem medidas socioeducativas. Sendo assim, testemunha diariamente a tragédia, bem como o que vem depois dela (...). "É como um barco atingido pela tempestade em alto-mar, mas que continua navegando, apesar das velas rasgadas e do casco deteriorado". Com base nessa vivência ela afirma ainda que mais do que uma capacidade individual a resiliência é um processo que se ativa dentro de nós de acordo com as necessidades imposta pela vida. Todos dispomos desta ferramenta. No entanto, ela costuma ser favorecida ou não pela somatória de fatores e características pessoais e ambientais.
A psicóloga chilena Francisca Infante também ressalta a importância de entendermos a resiliência como um processo dinâmico, fruto da interrelação de diversos fatores, ao invés de uma qualidade restrita a alguns privilegiados. "O indivíduo está imerso num contexto determinado por diferentes níveis: o individual, o familiar, o comunitário e o cultural". Ela aponta no livro Resiliência: Descbrindo as Próprias Fortalezas.
"É importante reservar dentro da definição de resiliência um lugar para a criatividade e a surpresa", afirma o psicólogo chileno Daniel Rodriguez se referindo ao imponderável, àquela chama interior que acende nas horas difíceis, nos surpreendendo com soluções e respostas nunca antes cogitadas.
No caso específico da juventude em situação de vulnerabilidade, a criação de elos amorosos é fundamental para o enfrentamento de obstáculos (...). De fato, sem afeto ninguém chega longe, nem mesmo uma flor. essa máxima vale para todo ser vivo, em qualquer parte do planeta. "Às vezes, vemos famílias em boa situação financeira, mas desprovidas de amparo emocional mútuo. Isso dificulta a superação dos entraves que surgem", completa Débora.
"É preciso entrar em contato com os eventos desagradáveis, buscando formar alianças com eles. Sem pressa", explica Julio Peres, psicólogo clínico e doutor em neurociências pela USP e autor do livro Trauma e Superação (...). Por exemplo, o término de um relacionamento amoroso, em geral, motivo de grande pesar, pode ser o desabrochar de uma nova relação com nós mesmos, sobre tudo se soubermos cultivar a autoestima e autonomia emocional (...). Eis aí o velho ditado popular em ação: "Há males que vêm para o bem". Um bálsamo que nos instiga a compreender que o sofrimento, em geral, também carrega a semente de uma nova etapa. Com essa visão fértil em mente, fica mais fácil abandonar a postura de relutância em face das contrariedades, o que só exalta o infortúnio que desejamos ultrapassar.
Nas horas mais difíceis, é fundamental enxergarmos além dos fatos, ou seja, lancarmos sobre a vida um olhar transcedente. Habilidade adquirida por meio do desenvolvimento da espiritualidade. "Pesquisas mostram que pessoas que fazem orações regulares, frequentam algum templo, igreja ou centro, participam de dinâmicas de grupo, mesmo que esporadicamente, superam os traumas com mais facilidade." afirma Júlio.
Não é difícil entender porquê. ao nos conectarmos com uma dimensão superior, infinitamente mais poderosa e sábia que nós, mortais, encontramos além de conforto e consolo, entendimento e paz de espírito.
Acionar as antenas e capturar influências benéficas das pessoas e elementos que nos cercam também ajuda a impulsionar a virada. Portanto, da próxima vez que se sentir desarmado diante de um baque inesperado, lembre-se de que o fortalecimento interior e um aprendizado constante, como mostram os incontáveis exemplos de superação extraídos da realidade e da ficção. Histórias tocantes que reforçam nossa fé no poder da regeneração da alma (...). Sendo assim, vivamos todos de peito aberto, de preferência sem jamais perder de vista o horizonte a nossa frente.


(Texto adaptado de Raphaela de Campos Mello - Revista Bons Fluidos)

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